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Ateliê de Pesquisa Psicanalítica 2024

Do clássico ao contemporâneo, o que os casos e suas amarrações nos ensinam

Escrito em: 22 de julho de 2024 Autor: Adriana Vitta
circulo retangulo

Autor: Pedro Braccini

Coordenação do Ateliê: Adriana Vitta, Letícia Soares e Pedro Braccini

 

A clínica requer atenção às invenções. Lacan no seminário 23 chega a “reduzir toda invenção ao sinthoma”. O sinthoma é a resposta que cada falasser dá ao furo da estrutura. Alexandre Stevens, um dos fundadores da instituição belga Le Courtil, emprega o termo “invenção” como um dos grandes eixos que servem de guia da prática institucional entre vários. Para ele, “nossa tarefa não é a de interpretar ao infinito, mas de estarmos prontos para ouvir a surpresa”. É a surpresa que está no lugar de interpretante. Os pacientes que recebemos no Freud Cidadão são desarrimados de diversas formas, expostos a um gozo que não conseguem localizar. Alguns sujeitos se apresentam com rupturas subjetivas evidentes, da ordem do que chamamos de um desencadeamento psicótico, com delírios e alucinações. Enquanto em outros podemos localizar formas distintas de índices de forclusão, desde signos discretos – o que costuma ser mais raro no âmbito de um tratamento que requer uma institução – até apresentações com índices evidentes, mas não tão bem referidos aos quadros clínicos de descrição mais clássica.

Se a forclusão ainda é válida, o último ensino de Lacan coloca um buraco forclusivo para cada um, e uma variedade de soluções sinthomáticas para manter juntos os 3 registros do real, do simbólico e do imaginário, dentre as quais o nome-do-pai seria apenas mais uma solução possível. Assim, na travessia progressiva da psicose clássica à psicose ordinária, chegaríamos à saída pelo sintoma de cada falasser. Cada um com o seu fazer-crer compensatório do nome do pai (Miller). Esse fazer-crer compensatório é o que permitiria para cada sujeito operar como grampo, afim de enodar e amarrar de maneira singular os registros do real, do simbólico e do imaginário. O último ensino de Lacan insiste no enodamento ou amarração (nouage) singular de cada sujeito na existência (Anne Beraud).

Todo o trabalho consiste em lhes permitir inventar pontos de basta, o que também chamamos pontos de ancoragem. J.-A. Miller assinala que é preciso generalizar o nome-do-pai, e para esse fim propõe o ponto de basta, que generaliza por sua vez o nome-do-pai caracterizando-o como um aparato que alinhava e engancha. O que chamamos ponto de basta, é um dos significantes que tem sua importância dentro do repertório psicanalítico que forjou vários termos, nem sempre equivalentes na tentativa de dar conta da direção para uma estabilização para esses sujeitos: arranjo, amarração, enodamento, grampo, bricolagem, achado, invenção, solução, nominação, saída, suplência, sinthoma, tantos nomes para tentar cernir isso que é necessário favorecer em um tratamento, para que cada sujeito se instrumentalize diante do fracasso dos comportamentos ou dos sintomas até então em uso por ele.

Para A. Stevens uma estabilização “tem a ver com a maneira como um sujeito trata o real ao limitar e localizar o gozo”. É o efeito bem sucedido ou não, de um substituto que tenha vindo compensar uma falha. Não se considera a pacificação obtida pelos medicamentos com o que chamamos aqui estabilização. Algumas formas menos consistentes de compensar essa falha estruturante no falasser, seriam tanto a metáfora delirante e o próprio delírio – que constituem um dublê da fantasia – quanto as “bengalas” imaginárias – que são maneiras de estabilização a partir da relação com o pequeno outro e com a imagem do corpo próprio. As estabilizações imaginárias são o que mantem coesas um certo número de psicoses não desencadeadas. Algo se segura a partir de balizas imaginárias sobre o outro como semelhante ou sobre a imagem do corpo próprio – através de identificações imaginárias. Tem a ver com o esquema lacaniano do estádio do espelho, na constituição do eu sobre uma base de relação ao pequeno outro e da imagem do corpo.

O desencadeamento é o momento da ruptura do eixo imaginário. Um tipo de estabilização em um certo número de casos na psicose é fundado, portanto, sobre a identificação imaginária. É um tipo de estabilização que o sujeito forma com um outro no qual ele se apóia, para guiar suas ações e dar um ponto de basta à significação. Mas dependendo do uso que o sujeito faz dessa “bengala imaginária” diante das contingencias da vida, ela pode bascular na direção de um fenômeno de duplo em que o remédio se torna, por vezes, veneno. Tais identificações e estabilizações existem sob variadas formas.

No último ensino de Lacan a estabilização toma novo valor, o paradigma não sendo mais Schreber, e sim Joyce. O fenômeno de corpo do alterego de Joyce em seu Retrato do artista quando jovem, permite Lacan analisar o laço de Joyce com seu corpo que aparece desfeito, e necessita de um remendo por meio daquilo que Lacan chama um ego. Esse é o nome do sinthoma para Joyce, que é uma espécie de corpo fora-do-corpo, e que tem a dimensão de sua obra. Sua fórmula é, pois, de se fazer um corpo fora-do-corpo, que consiste em se fabricar um outro corpo em outro lugar, usando no caso de Joyce de um corpo literário.

Diferentes maneiras de se fazer um corpo – localizar o gozo – se declinam nas diversas formas de psicose. Fazer-se um corpo não é a busca de uma decodificação das significações, mas o esforço para traçar a borda significante de um gozo que invade o sujeito. Função da letra, nomeação, invenção subjetiva, bricolagem sintomática, uma vez mais são tantos os termos para situar as perspectivas de um esforço para alcançar uma estabilização.

Já o termo suplência para A. Stevens, seria reservado a construções bem sucedidas, como a de Joyce por exemplo. Poderíamos distinguir com Joyce uma suplência que se funda sobre a letra. Um sinthoma seria então uma suplência. Enquanto o termo nominação, ainda para A. Stevens, seria uma maneira de segurar o corpo, mas que não é menos imaginária. Ele situa a nominação de acontecimentos de corpo entre os registros do simbólico e do imaginário. Se por um lado, quando se emprega um significante que representa o sujeito para outro significante, isso designa algo da ordem simbólica, por outro sempre se opera também com o sentido. Algumas nominações, portanto, como principalmente aquelas que colocam sentido sobre o sofrimento, são tanto simbólicas quanto imaginárias. Mas o sentido que escorre com as palavras indica que essa nominação permanece um tratamento imaginário. Se a nominação pudesse se deter sobre uma palavra, sobre um significante que marca, poderíamos falar de tratamento pelo simbólico, a partir do momento em que isso para.

Inventar é, portanto, tanto na instituição como nos tratamentos, o que cabe ao analista, a quem Freud convidava a ser sempre novo na abordagem de um novo caso. Trata-se, a cada vez, da expressão de um desejo novo. A ação do analista, sua intervenção, tem assim alguma chance de ser elevada à altura de um ato, do qual se pode julgar a eficácia graças a seus efeitos sobre o real (Judith Miller). Há invenção dos sujeitos, mas há também os achados práticos dos membros da equipe a serviço dos achados do sujeito. Não cabe a nós fiar uma invenção que poderia servir de identificação, mas sim estarmos atentos às invenções que eles mesmo produzem. Todavia, não basta apenas acolher a surpresa e a invenção. É preciso estar atento, e até mesmo suscitá-la, provocá-la, calculá-la.

O ponto de basta da função paterna não operou para esses sujeitos psicóticos. Desde então, é preciso que eles encontrem outros, substitutos dessa função. No horizonte desses pontos de ancoragem está o sintoma (Éric Laurent). O sintoma é o S1, o significante desse ponto de basta, mais o pequeno a, ou seja, uma parte de gozo que esse S1 vem fixar. Se na psicanálise pura esse S1 deve nomear o gozo para que o sujeito possa identificar-se com o sintoma; na psicanálise aplicada, ele o fixa com um ponto de basta válido por algum tempo. Ali estamos não para produzir, em vez deles, o significante que lhes ajudará a regrar seu mundo subjetivo, mas para dizer sim ao valor de seu achado. O saber está do lado deles, o não-saber do nosso. Nossa função de psicanalista nessa clínica aplicada à terapêutica é: estarmos prontos para acolher a surpresa que valerá como saída para o sujeito.

 

Referências Bibliográficas do Ateliê

COSENZA, Domenico. Clínica do excesso – Derivas pulsionais e soluções sintomáticas na psicopatologia contemporânea. Belo Horizonte: Ed. Scriptum, 2024.

MILLER, J.A. Sutilezas analíticas. Buenos Aires: Paidós, 2008.

MILLER,. J.A. Lições sobre a apresentação de doentes. Matemas I

MILLER,. J.A (org.). O neodesencadeamento.  A psicose ordinária. Belo Horizonte, Scriptum, 2012. p.21.

MILLER, J.A. La solucion trans. Paris: Navarin Editeur, 2022.

VIEIRA, André. Nomear (notas sobre o diagnóstico). Redigido para a plenária “El Diagnóstico preliminar cuando “Todo el mundo es loco””, Enapol, Buenos Aires, Octubre, 2023.

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