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Sobre o Freud Cidadão na pandemia

Escrito em: 4 de junho de 2020 | Atualizado em 19 de junho de 2020 Autor: Bruno Engler Faleiros
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Sobre o Centro de Atenção Psíquica Freud Cidadão na pandemia de SARS-CoV-2

 

Introdução:

No dia 25 de maio de 2020, na cidade de Belo Horizonte, iniciou-se a reabertura gradual do comércio não essencial, caminhando da Fase Zero, em que apenas comércios essenciais podem funcionar, para a Fase 1, com a “reabertura de estabelecimentos com menor potencial de gerar aumento significativo na circulação de pessoas na cidade”.[1]

O fechamento dos estabelecimentos não essenciais vigora desde 18 de março de 2020, quando foi decretado pelo prefeito Alexandre Kalil (PSD), no intuito de diminuir a propagação do novo coronavírus através do distanciamento social.[2] Contudo, hoje, dia 29 de maio de 2020, após consultar o Comitê de Enfrentamento da Epidemia da COVID-19, Kalil anuncia que a reabertura comercial será interrompida no patamar atual, sem novas progressões por ora: “Nós não podemos ampliar a flexibilização de Belo Horizonte. Não podemos porque continuamos apegados, amarrados e conduzidos pela ciência. Temos dados absolutamente alarmantes em Minas Gerais”.[3]

O Comitê de Enfrentamento da Epidemia da COVID-19 em Belo Horizonte foi criado em 17 de março de 2020 e é composto por quatro médicos: (1) Dr. Jackson Machado Pinto, Secretário Municipal da Saúde; (2) Dr. Estevão Urbano Silva, Presidente da Sociedade Mineira de Infectologia; (3) Dr. Carlos Starling, infectologista; (4) Dr. Unaí Tupinambás, infectologista professor da Faculdade de Medicina da UFMG. Segundo a prefeitura de Belo Horizonte, “o comitê orientará todas as medidas a serem tomadas com relação ao vírus e sua propagação na cidade de Belo Horizonte”.[4]

O objetivo de tais medidas é de controlar a propagação do vírus para evitar o colapso, seja da saúde, seja social, até que se encontre um tratamento eficaz, uma vacina viável ou que se atinja a imunização de rebanho. Mas o que quer dizer essa medida de controle da propagação viral, em termos numéricos, é uma questão inexata, pois, se por um lado, o distanciamento social, nosso único instrumento de intervenção na propagação viral, tem um custo enorme para a sociedade, por outro lado, sabe-se que alguma circulação do vírus é inevitável e que a taxa de letalidade do COVID-19 aumenta consideravelmente quando a infraestrutura de tratamento está colapsada.

Mesmo assim, tenta-se encontrar alguma medida e a racionalidade científica que responde a isso leva em conta, principalmente, dois indicadores epidemiológicos: (1) o número médio de transmissão por infectado (Rt) e (2) a taxa de ocupação dos leitos de UTI e de enfermaria.

O número médio de transmissão por infectado significa quantos serão contaminados a partir de uma pessoa infectada. Isso nos orienta a respeito da velocidade de progressão da curva epidêmica, isto é, se a epidemia cresce ou decresce e quanto. Um Rt menor que 1 significa que a epidemia está encolhendo, enquanto um Rt maior que 1 significa que ela está crescendo. Segundo Boletim de Monitoramento da COVID-19 da Prefeitura de Belo Horizonte, nosso Rt alvo é 0.99, ou menor, enquanto nosso Rt limite é 1.20, e houve uma oscilação nos últimos 15 dias de um Rt 1.09 (15/05/2020) para 1.24 (29/05/2020), ainda sem incluir os efeitos da reabertura ocorrida no dia 25.[5] É importante levar em conta que, pela escassez de testes diagnósticos realizados no Brasil, nosso cálculo do Rt pode apresentar um valor subestimado e um atraso de leitura, já que quando um sujeito contaminado desenvolve a doença, ele leva cerca de 14-21 dias após o contágio para manifestar sintomas, e a grande maioria da população infectada é assintomática, sendo detectada somente por meio de testes em massa.

Além disso, houve também um aumento da ocupação dos leitos de UTI, que oscilou de 40% para 52% e dos leitos de enfermaria de 34% para 43%.[6]

Esses dados certamente nortearam a decisão política de arriscar uma reabertura em um primeiro momento supostamente favorável (Rt 1.09 e ocupação de leitos abaixo de 50%), bem como de recuar dessa decisão hoje, haja vista a oscilação crescente desses índices. É fundamental notarmos aqui como esse movimento decisório ocorre, através de orientações com embasamento científico, mas que não deixa de incluir o imponderável e seus inevitáveis riscos, reavaliações, avanços e recuos.

 

A decisão do Centro de Atenção Psíquica Freud Cidadão:

É justamente assim, por meio de um movimento similar, que o Freud Cidadão tem se orientado para também tomar decisões. Quando as notícias sobre a chegada da pandemia no Brasil começaram a circular, logo após o carnaval, nossa orientação se pautou principalmente pelos posicionamentos das entidades sanitárias responsáveis.

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou o COVID-19 como uma pandemia, dois dias após a Itália atingir a marca das 463 mortes por dia e decretar o lockdown, uma medida de distanciamento social radical e obrigatória. Em seu discurso, o diretor-geral da OMS, clamava aos países que tomassem medidas urgentes e agressivas: “Nunca será alto o bastante, claro o bastante ou frequente o bastante o que estamos dizendo: todos os países ainda podem mudar o curso dessa pandemia. Se os países detectarem, testarem, tratarem, isolarem, rastrearem e mobilizarem seus cidadãos na resposta ao vírus, será possível prevenirmos que casos se tornem grupos e a partir desses grupos, surja a transmissão comunitária. (…) Todos os países deverão estabelecer uma fina balança entre proteger a saúde, minimizar os impactos econômicos e a disrupção social, bem como respeitar os direitos humanos”.[7]

No dia 18 de março de 2020, mesmo dia em que o comércio não essencial foi fechado em Belo Horizonte, o Conselho Federal de Medicina emitiu consistente documento ressaltando a importância de medidas restritivas no combate à pandemia.[8] Posteriormente, em 20 de março de 2020, o mesmo Conselho publicou em seu portal um documento intitulado “Orientações gerais ao trabalho dos médicos”, que dizia, entre outras coisas: (1) “Recomenda-se aos gestores a suspensão dos atendimentos ambulatoriais e de procedimentos eletivos”; (2) “Todas as consultas médicas eletivas devem, preferencialmente, ser suspensas. Caso não seja possível, os médicos podem realiza-las, desde que em concordância com as determinações das autoridades locais e do diretor-técnico do serviço, respeitando-se as normas de higienização, proteção individual e de restrição de contato preconizados”; (3) “Para idosos, paciente crônicos e com condições especiais que fazem uso de medicamentos de uso contínuo, recomenda-se que sejam fornecidas receitas por um prazo de maior validade”.[9] Nesse mesmo sentido, posicionaram-se entidades como Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais e Associação Brasileira de Psiquiatria.

Também no dia 20 de março de 2020, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais emitiu uma Nota Técnica, através do Centro de Operações de Emergência em Saúde (COES), especificamente aos serviços de saúde mental da Rede de Atenção Psicossocial do SUS, com algumas orientações, dentre outras: (1) “Suspender todas as atividades coletivas promovidas pelos serviços que resultem em aglomeração de pessoas”; (2) “Nos serviços, quando couber e for clinicamente viável, avaliar a ampliação do período e da frequência de aceitação de receitas médicas, visando diminuir a necessidade de consultas”; (3) “Suspender temporariamente os atendimentos de casos que não sejam prioritários, desde que pactuando com o usuário e familiares e organizada junto a eles a manutenção do cuidado”; (4) “Manter os atendimentos de urgência a crise em saúde mental, conforme a necessidade dos casos. (…) somente manter Permanência-Dia em casos extremamente necessários”; (5) “Suspender a Permanência-Dia para usuários com mais de 60 anos e/ou portadores de comorbidades graves e aqueles que apresentem sintomas de síndrome gripal”; (6) “Suspensão de atendimentos ambulatoriais, uma vez que tal medida auxilia na redução da circulação de pessoas”.[10]

Nessa época, os estudos publicados pelo Imperial College of London, sob a batuta do Dr. Neil Ferguson, orientavam as medidas mais enérgicas de combate à pandemia tomadas na Europa e por muitas instituições brasileiras, que muito embora previam uma mortandade maciça caso o distanciamento social não fosse adotado de forma agressiva, não consideraram os custos sociais e econômicos das medidas.[11] Em Belo Horizonte, nessa mesma linha discursiva, um estudo do Dr. Carlos Starling também previa cenários dramáticos caso medidas agressivas não fossem adotadas.[12]

O Centro de Atenção Psíquica Freud Cidadão é um serviço de saúde mental de nível secundário da rede suplementar e lida com casos graves que necessitam de um amparo institucional, mas que não precisam da contenção física do corpo. Nosso serviço também não recebe casos de emergência, para os quais existem os serviços de nível terciário cujo funcionamento em contexto de pandemia segue inalterado.

Assim, entendeu-se que nosso lugar na rede assistencial suplementar inclui, majoritariamente, aspectos eletivos, de manutenção clínica, e que deveríamos adotar as orientações das instituições sanitárias privilegiando, em um primeiro momento, medidas de distanciamento social, com a suspensão do trabalho presencial a partir do dia 23 de março de 2020 e seu deslocamento para a dimensão virtual. As decisões foram tomadas no sentido de um recuo dos corpos como uma forma de combater a pandemia sem deixar de manter vivo o trabalho e alguma presença.

No entanto, é preciso levar em conta que naquele momento a imperatividade do novo era poderosa e instantânea, estávamos tragados pelo acontecimento como uma onda que nos engole sem tempo de ver.[13]

 

A atual situação do Freud Cidadão:

Cerca de dois meses depois, é possível olhar pra trás e ver alguma coisa.

Ainda em março, também embasadas pela ciência, projeções tentavam prever quando e quanto seria o esperado pico da pandemia em Minas Gerais. Um modelo matemático da Faculdade de Economia da UFMG projetou 2,5 milhões de infectados entre 27/04/2020 e 11/05/2020 em nosso estado.[14] Outro estudo realizado em parceria da UFMG com a Universidade de Harvard, estimou o colapso do sistema de saúde de Belo Horizonte, em 12 cenários diferentes, para o mês de Abril.[15] Felizmente, essas estimativas não se realizaram.

A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais também se esforçou no sentido de fazer projeções. Foram ao todo oito estimativas, sendo a primeira realizada em 16 de março e a última em 18 de maio. Veja o gráfico abaixo, retirado do último Boletim Epidemiológico e Assistencial COVID-19, como é interessante o desenho que se fez de um achatamento da curva pela comparação dessas estimativas: um alargamento do quando e um encolhimento do quanto.[16]

 

 

Ou seja, é possível constatar que as medidas de distanciamento social instituídas precocemente funcionaram.[17] Apesar disso, só o distanciamento social é absolutamente precário para avançarmos os próximos passos. O mesmo Dr. Unaí Tupinambás, do Comitê de Enfrentamento da Epidemia de COVID-19 montado pela prefeitura, junto com mais cinco professores da UFMG, assina um outro documento, intitulado Por que ainda não é o momento para flexibilizar o isolamento social em Minas Gerais? Nove argumentos com embasamento científico, publicado na primeira quinzena do mês de maio. Esses nove argumentos são: (1) A transmissão do vírus no Brasil ainda não está controlada; (2) Nosso sistema de saúde ainda não está detectando, como deveria, as pessoas com COVID-19 em Minas Gerais (subnotificação); (3) Ainda não há um planejamento para a realização de testes em amostra representativa da população; (4) É necessário aprimorar a sistematização e a transparência das informações relativas aos serviços de saúde; (5) Os protocolos com as medidas preventivas e de controle de ambiente de trabalho, espaços públicos e escolas ainda não foram amplamente divulgados e debatidos nos diversos setores da nossa sociedade; (6) É insuficiente ainda o investimento em campanhas que promovam o engajamento da população e conscientização para adesão às medidas preventivas; (7) É preciso esclarecer como será a vigilância e o controle de novos casos importados de outras cidades e estados; (8) A “imunidade de rebanho” não ocorrerá tão cedo; (9) Ainda não há suficiente alinhamento da política de prevenção entre o nível federal e estadual para garantir ações coordenadas e efetivas.

Bom, se o distanciamento social funciona e temos uma série de questões que contraindicam a reabertura comercial agora, por que a Comitê de Enfrentamento da Epidemia de COVID-19 decidiu arriscar? Não saberia dizer exatamente, mas algumas inferências são possíveis.

Com o pico e a reabertura sendo adiados a cada nova estimativa, há um esvanecimento da perspectiva temporal futura e o atual estado ganha um caráter assintótico. Antes, havia uma expectativa de que as medidas de distanciamento social seriam necessárias por um tempo similar ao da China, que iniciou medidas de relaxamento cerca de dois a três meses depois do começo da epidemia em Wuhan.[18] Mas essas expectativas estão mudando na medida em que o esperado “retorno à normalidade” vai se revelando impossível enquanto um retorno e esse novo estado se prolonga. Se por um lado lida-se com o acontecimento em si, por outro lado lida-se com os efeitos e com a nova temporalidade que isso nos coloca; uma dinâmica social imposta pela “pandemia”.

De acordo com Soumya Swaminathan, cientista-chefe da Organização Mundial de Saúde, podemos levar entre 04 e 05 anos para que a COVID-19 esteja sob controle e a perspectiva da vacina não é otimista, já que teríamos uma série de desafios correlativos como eficácia, segurança, produção, distribuição, além da possibilidade de uma mutação viral inviabilizar seu desenvolvimento. Sua declaração, realizada numa conferência digital do jornal Financial Times, foi reforçada pelo outro convidado, Peter Riot, professor de saúde global da London School of Hygiene and Tropical Medicine: “Os países deveriam pensar em termos de anos e não de meses. Nós, enquanto sociedade, aprenderemos a viver com isso e a avançar de lockdowns para intervenções mais granulares e precisas”.[19]

No entanto, qual será o custo desse aprendizado em termos psíquicos? Quais serão as consequências na saúde mental da população em geral de um “não retorno”, ou desse “novo normal”? No dia 13 de maio de 2020, as Nações Unidas publicaram um documento alertando para o risco de eclodir uma crise paralela à crise sanitária: a crise de saúde mental. Segundo o documento, entre os fatores que contribuem para esse risco, estão: medo de se infectar, morte, perda de pessoas amadas ou de parceiros, distanciamento, isolamento, catástrofes econômicas, desinformação, incerteza com o futuro.[20] Mas o impacto desses fatores não foram dimensionados pelo tempo, considerando um prolongamento do “estado de pandemia”. Em uma pequena revisão, publicada em 26 de fevereiro de 2020, no periódico The Lancet, sobre as repercussões da quarentena na saúde mental, há uma ênfase na importância de que essa medida deve ser o mais breve possível e há evidência de um aumento considerável do estresse psíquico quando a quarentena é prolongada – maior que 10 dias.[21]

Dentro dessa perspectiva, qual é o lugar do Centro de Atenção Psíquica Freud Cidadão? Retomando a dinâmica do movimento decisório ressaltado anteriormente, em que tempo nos encontramos nesse contexto de pandemia enquanto uma instituição de Saúde Mental?

O Freud Cidadão classifica-se em uma categoria de serviço que, segundo o Presidente da República e o Ministério da Saúde, “não pode parar”.[22] De fato, não paramos. Nosso trabalho foi deslocado para a dimensão virtual, amparado por todos os termos colocados acima e pela perspectiva temporal de meses. Mas se agora estamos falando em anos, se estamos falando em uma possível crise de saúde mental, se estamos falando em um “novo normal” que exigirá a reinvenção do viver, isso convoca nossos corpos para a linha de frente do acontecimento, em um novo fazer.

 

Orientação ética pelo real:

Há, portanto, um tempo que age retroativamente ao acontecimento, quando é possível ressignificar sua incidência traumática, de colocar aí alguma singularidade: um tempo de compreender para cada um. O trabalho segue vivo, nas análises pessoais, na escuta, na reinvenção clínica e política, nas medidas sanitárias e subversivas das narrativas institucionais, no laço social. Se decidimos por um recuo dos corpos, nossa ética é de não recuar diante do real do trauma.

A posição do prof. Dr. Unaí Tupinambás transmite algo interessante, já que ele assina tanto o programa de reabertura da Prefeitura de Belo Horizonte como um documento que contraindica a flexibilização do isolamento social. Há aí uma simultaneidade lógica não opositiva que dá lugar ao imponderável do risco, somente a partir do qual é possível exercer a responsabilidade de um ato enquanto escolha, mesmo que inconsciente. Demétrio Magnoli, em coluna de opinião no jornal Folha de S. Paulo, aborda o discurso gestor do Estado contra a crise a partir de um “fetiche da ciência”, a com o qual sustenta-se uma neutralidade cujo efeito é uma política de desresponsabilização dos efeitos de um ato de governo.[23] Diante do real, também nos orientamos por um ideal mas fazemos com isso o que é possível, justamente por sabermos que não existe Outro todo, e que lidar com esse acontecimento exige colocar aí algo de nosso; o que nos resta é fazer algo com isso.

Fernanda Otoni retoma a posição ética do analista nesse novo contexto em um texto, intitulado “A eclosão do Outro rompido, o toque de recolher e o analista como parceiro”, publicado na Correio Express, no dia 11 de abril de 2020:

 

Se, por um lado, a disrupção de gozo que eclode com a irrupção do real coloca em evidência o Outro rompido, por outro lado, o Um do gozo daí desalojado tensiona, força um efeito-sentido e evoca o analista a um fazer de verdade, ou seja, um fazer novo entre o Um, o furo e seu laço. A experiência analítica, nessa irrupção do Outro rompido, se oferta como um dispositivo que pode ser acionado, segundo a forma e o tempo de cada um. Em alguns casos, guardar um intervalo pode ser preciso para manter a válvula da inconsistência em funcionamento, lá onde o Outro tende a consistir. Em outros casos, se um cálculo indica que na ausência da sessão analítica uma desamarração se precipita, pois a parceria analítica funciona ali como um fio conector do laço social, o intervalo não pode se infinitizar. Para alguns outros, informar a suspensão temporária do atendimento e se colocar à disposição pode ser uma forma de estar ao lado, simplesmente, aguardando o uso que o falasser fará do parceiro analista que o segue. Em todo caso, o falasser responde a seu modo à oferta analítica, e o analista segue o analisante em seu esforço de alçar um dizer, um saber fazer que possa ancorar o que subsiste fora da simbolização, seguindo o que se passa desde “o furo que sopra”, favorecendo uma abertura, um deslocamento permanente para o que persiste como existência.

 

Com isso, entendemos que a importância de respeitar medidas sanitárias de distanciamento social inclui o imponderável e a responsabilidade de uma posição ética, tanto enquanto instituição de Saúde Mental como enquanto analistas, mesmo diante de uma situação tão difícil e com um amparo governamental tão precário. Se o momento contraindica a reabertura, conforme nos orienta a ciência, não é mesmo disso que se trata. Mas se o analista é aquele que segue, se trata de reinventar como ofertar o corpo institucional aos casos cuja demanda nos orienta a acolher concretamente em nosso espaço, a partir de um cálculo.

 

Reocupando:

Assim, está claro que nossa decisão passa, antes de tudo, por uma política orientada por uma ética, e não primariamente por questões comerciais. Nesse sentido, a construção de cada caso clínico é que determinará nossa ação e a prioridade ainda é pelo trabalho virtual, mas estamos incluindo em nosso cálculo a possibilidade do presencial.

Paralelamente, para que isso ocorra da forma mais segura possível, é preciso um manejo dos riscos, uma ação que também passa pela orientação científica e técnica. Relendo, então, o esclarecedor documento “Por que ainda não é o momento para flexibilizar …”, podemos nos deter principalmente em um dos nove importantíssimos pontos: (5) Os protocolos com as medidas preventivas e de controle de ambiente de trabalho, espaços públicos e escolas ainda não foram amplamente divulgados e debatidos nos diversos setores da nossa sociedade; é um ponto que nos serve como referência e nos resta como possibilidade. É o único dentre os nove argumentos que cabe em nossa competência técnica e não somente ao poder público, abrindo um campo de ação e além.

A reocupação do Freud Cidadão será, portanto, acompanhada pela elaboração de procedimentos de conduta e sua familiarização pelos que circularem presencialmente no espaço, sejam trabalhadores, sejam participantes. Esses procedimentos abarcarão três eixos: espaço, tempo e corpo. Para além do próprio combate à COVID-19, outro objetivo é de ordenar a experiência disruptiva que a pandemia impõe.

 

  1. Do espaço: há cerca de três semanas, está sendo elaborado uma nova delimitação física do lugar, de modo a simplificar a limpeza e desinfecção. A área da lavanderia agora será destinada toda e exclusivamente a essa atividade. Há álcool gel espalhado em diversos pontos. Também estaremos atentos à distribuição das pessoas pelo espaço. O distanciamento social vigorará de modo similar ao determinado pelas instituições sanitárias e entidades de saúde e nos serviremos de regras.
  2. Do tempo: a agenda responde ao funcionamento do espaço, agora ordenado pela lógica da desinfecção, a depender da oferta de sala. A simultaneidade de horários pode favorecer a aglomeração. Também é levado em conta o tempo da pandemia e o tempo lógico de cada sujeito, inclusive do sujeito Freud Cidadão, atravessado pela temporalidade de questões diversas como política, ética, clínica, sanitária, financeira, corporal.
  3. Do corpo: uma biopolítica agora é necessária enquanto resposta sanitária, como verificação da temperatura de cada um e triagem epidemiológica periódica, dos trabalhadores e dos participantes. A distância e a limpeza formatam os laços sociais possíveis. Os trabalhadores serão treinados em processos de autoproteção e de cuidado geral.

 

A reocupação do lugar é uma ação que também leva em conta, além do cálculo clínico, a discussão em equipe e a orientação de todos presentes no dia, bem como o acompanhamento próximo do desenrolar da pandemia em nossa cidade, como nos orienta Nota do Conselho Federal de Medicina de 22 de maio de 2020.[24]

O ritmo será cauteloso, com poucas pessoas. A maior circulação dos corpos pelo espaço e as atividades coletivas ficarão para outro momento.

 

Concluindo:

Hoje precipitou-se um momento de concluir: notícias sobre o aumento do movimento de pacientes suspeitos de COVID-19, bem como da positividade de exames e do recálculo do Rt em Minas Gerais para 1.42[25] pode nos colocar a necessidade de uma revisão e mudanças. A partir deste texto poderemos avançar mais em nossa construção coletiva desse novo processo de trabalho.

 

Belo Horizonte, 02 de junho de 2020

 

[1] Prefeitura confirma reabertura do comércio em BH; veja como funcionará. Estado de Minas, 22 de maio de 2020.

[2] Coronavírus: Kalil manda fechar bares, shoppings e outros comércios de BH; delivery é permitido. Estado de Minas, 18 de março de 2020.

[3] Prefeitura de Belo Horizonte decide não ampliar reabertura do comércio. Estado de Minas, 29 de maio de 2020.

[4] Prefeitura de Belo Horizonte cria comitê para enfrentar epidemia da Covid-19. Notícia no portal da PBH, 17 de março de 2020.

[5] Boletim de Monitoramento COVID-19, nº 3/2020. Prefeitura de Belo Horizonte, 29 de maio de 2020.

[6] Boletim de Monitoramento COVID-19, nº 3/2020. Prefeitura de Belo Horizonte, 29 de maio de 2020.

[7] WHO Director-General’s opening remarks at the media briefing on COVID-19. 11 de março de 2020.

[8] Posição do Conselho Federal de Medicina sobre a pandemia de COVID‐19: contexto, análise de medidas e recomendações. Conselho Federal de Meidicina, 18 de março de 2020. Disponível online.

[9] Combate à COVID-19: orientações gerais ao trabalho dos medicos. Conselho Federal de Medicina. 20 de março de 2020. Disponível online.

[10] Nota Técnica COES MINAS COVID-19 Nº 5 – 20/03/2020 (https://www.saude.mg.gov.br/images/ Nota_tecnica_5-_psicosocial.pdf)

[11] Walker et al. Report 12: The Global Impact of COVID-19 and Strategies for Mitigation and Suppression. Imperial College of London. 26 de março de 2020. Disponível online.

[12] STARLING, CEF e COUTO, BRGM. Simulação da Transmissão e Impacto do COVID-19 na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Março de 2020.

[13] Marie-Hélène Brousse. Os tempos do virus. Correio Express Extra nº 7, 4 de abril de 2020.

[14] Ribeiro, RSM. PREVISÕES A PARTIR DO MODELO EPIDEMIOLÓGICO SIR PARA OS CASOS DE INFECÇÃO PELO COVID-19: UMA APLICAÇÃO PARA OS ESTADOS BRASILEIROS. Nota Técnica 02/2020. Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional. Departamento de Economia. UFMG, 29 de março de 2020.

[15] Castro et al. Demand for hospitalization services for COVID-19 patients in Brazil. medRxiv preprint doi: https://doi.org/10.1101/2020.03.30.20047662

[16] Boletim Epidemiológico e Assistencial COVID-19 (Edição Especial) nº 05. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, COES Minas Covid-19. 27 de maio de 2020.

[17] Distanciamento precoce reduz velocidade de transmissão da Covid-19. Notícia do portal da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. 21 de maio de 2020.

[18] Cidade chinesa onde coronavírus surgiu começa a relaxar confinamento. Agence France-Presse, notícia de 27 de março de 2020.

[19] WHO’s chief scientist offers bleak assessment of challenges ahead. Financial Times, notícia de 13 de maio de 2020.

[20] United Nations. Policy Brief: COVID-19 and the Need for Action on Mental Health. Publicado em 13 de maio de 2020 e disponível online.

[21] Brooks et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet 2020; 395: 912–20.

[22] Coronavírus: Presidente determina serviços que não podem parar. Notícia no portal do Ministério da Saúde, 21 de março de 2020.

[23] Demétrio Magnoli. Fetiche da ciência serve para políticos fugirem à responsabilidade por suas decisões. Folha de São Paulo, Opinião, 25 de abril de 2020.

[24] Cabe a cada CRM, autorizar ou não consultas, procedimentos e cirurgias, diz nota do CFM. Notícia no portal do Conselho Federal de Medicina, 22 de maio de 2020.

[25] Isolamento continua sendo a principal medida para conter a COVID-19 em Minas, notícia do portal da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, dia 01 de junho de 2020

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