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Adolescência e mundo virtual

O que os adolescentes ensinam e o que não pode ser ensinado

Escrito em: 19 de junho de 2020 Autor: Vinícius Carossi
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O que os adolescentes nos ensinam do mundo virtual e o quê não pode ser ensinado

Uma observação que vemos em nossa clínica desde o início do isolamento social – corroborado com relato de outros colegas – é que boa parte dos adolescentes em tratamento relatam certa adaptação à realidade do contato social atual em relação ao que se tinha anteriormente.

Twitter, Instagram, Discord, Tiktok: seja qual for a plataforma do momento, lá eles estão. A pressa em encontrar o lugar e a fórmula – como diria o poeta Arthur Rimbaud – são marcas registradas da adolescência, como espécie de radar da subjetividade contemporânea. O universo dos contatos sociais, já há algum tempo, é permeado direta ou indiretamente pelos ditames das redes sociais/virtuais. 

Devido à situação pandêmica mundial, nos vimos forçados a nos adaptarmos ao universo virtual, de contatos remotos e mediados. A dificuldade do diálogo coletivo das reuniões virtuais, a desconexão entre áudio/vídeo e os atrasos na mensagem são elementos comuns de ouvirmos naquilo que antes era nosso divã de consultório e, agora, tela de smartphone: “cansaço” é um dos significantes representantes dessa nova forma de trabalho. Sustentar uma imagem desalojada do corpo parece ser um esforço a mais de conexão com o outro nessas novas formas de contato. Porque isso parece ser tão cansativo pra boa parte da população? Porque, curiosamente, boa parte dos adolescentes a acha mais fácil de se conectar? O que há de diferente nesse molde de enlace social?

Há que se reconhecer que os adolescentes já são constituídos nessa construção virtual. A última fofoca da turma da escola inicia no Twitter; os jogos são jogados em conexão com o Discord (plataforma de gamers para conversa simultânea ao jogo); os namoros são anunciados pelo Instagram; e o Facebook virou um território ocupado por adultos/idosos e negligenciado por eles. “Já passou”, como se referem a essa última plataforma. Não é de se admirar que boa parte dessas outras redes citadas foram compradas pelo proprietário do Facebook, o que nos leva à nossa máxima: a adolescência é o radar do contemporâneo.

Quando dizemos que a adolescência é esse radar, entendemos que eles funcionam tanto como localizador de subjetividades – que, em psicanálise, nomeamos como identificações imaginárias – como ponto de referência para tal. São eles que nos apresentam, diariamente, como o mundo contemporâneo faz uma espécie de congelamento de uma palavra (que evoca uma imagem) em um objeto numa espécie de fórmula da subjetividade vigente. Em outras palavras, esse congelamento é o que faz um objeto – e objeto, em psicanálise, é algo do mundo externo que passa a ser acessado pelo mundo interno, mental – tenha possibilidade de ser, em si, uma garantia de identidade. Usar um Nike Air Jordan te localiza em determinado grupo urbano; raspar uma lateral do cabelo, em outro; descolori-lo, em outro; e assim por diante. O objeto é sempre acoplado a uma imagem, a um pedaço de um discurso que te põe como par e pertencente de alguma tribo urbana, numa espécie de parte pelo todo: é a forma metonímica de se localizar no mundo contemporâneo.

Obviamente, todos estamos envolvidos nesse modo de funcionamento, sejamos adolescentes ou não. Eles, como dissemos, apenas apontam que a tendência é essa e, via de regra, apresentam-na em ato, na vivência, não no discurso, nas palavras. Eles, adolescentes, já entendem e funcionam nesse universo em que a fórmula é metonímica e o lugar é virtual. Eles não precisam mais do que uma vela para fazer o navio. É por isso que, suspeitamos, o universo virtual não é um esforço de conexão a eles: é seu molde natural de fazer subjetividade. 

Se empurrarmos adiante a metáfora do radar podemos hipotetizar que ele, de fato, não transmite nenhuma mensagem por si só. Ele pode ressoar como um grito no espaço sideral, no qual, não há propagação de som. Contudo, se essa imagem é vista por nós em um filme, por exemplo, entendemos que há, ali, alguém que grita, alguém que podemos supor passar por alguma situação aflitiva nessa cena hipotética. Porém, um radar só apresenta dados e imagens, relegando a nós, que o vemos, a mensagem a ser lida, a ser interpretada.

Os adolescentes nos ensinam, então, que o mundo virtual é um mundo em que a imagem toma o primeiro plano. Todas as plataformas de interação social digital, mesmo as que usam recursos de linguagem escrita, são massivamente ocupadas por imagens. Contudo, a experiência clínica nos ensina que uma imagem, no mundo contemporâneo, faz suporte – mesmo que frágil – a um pertencimento social. Em outras palavras: a imagem – esse pequeno pedaço, fragmento de mundo – faz vias de acesso para um todo, em forma metonímica. O que parece ser a via do cansaço do mundo virtual é, justamente, uma inadequação nesse processo metonímico de se colocar no mundo. Afinal de contas, quantos de nós já nascemos operando um dispositivo que nos conecta a qualquer parte do mundo senão aqueles que, hoje, são adolescentes?

Os adolescentes nos ensinam, então, que o mundo virtual é um mundo em que a imagem toma o primeiro plano.

Aqueles que não são dessa realidade apostam na sustentação de um laço social, de um compartilhamento simbólico que é arregimentado pelo contato vivo, direto e imediato. Não fomos criados para apostar que a imagem e o som possam fazer, por si, uma completa representação de nós. Os adolescentes sabem disso: possuem nicks – apelidos que funcionam como um novo nome, um nome virtual –, possuem personas virtuais – imagens construídas/desenhadas que fazem representação de si –, possuem grupos específicos de cada plataforma ou jogo, etc. Eles entendem que o mundo imagético da virtualidade é, estruturalmente, fragmentado. Talvez, algo de nosso cansaço advenha dessa tentativa infinita de fazer um mosaico com esses fragmentos subjetivos, um exercício interminável a cada desconexão entre imagem e som que experienciamos nos encontros virtuais.

Em suma, eles nos ensinam que não podemos acreditar na imagem, mas podemos fazer uso dela. Tomemos uma plataforma interessantíssima utilizada por eles, principalmente, para games: o Discord. Essa é a plataforma que fazemos nossos encontros e oficinas virtuais no Freud Adolescente: atividade artística semanal envolvida em contexto de conversa em grupo acompanhada por psicanalistas. Essa plataforma conectiva que tem nome de “discórdia” evidencia que, entre a imagem e a mensagem, há sempre uma discordância em jogo.

Agora, se o adolescente é o radar do contemporâneo e está tão bem adaptado a esse universo, podemos levantar a pergunta óbvia: porque eles sofrem?

É aqui que nós, psicanalistas, entendemos que reside aquilo que construímos como o impossível de ser ensinado: a diferença, a falta, o lapso, o sexual, a castração. Em termos alegóricos, a vela só corresponde a um navio nos livros de língua portuguesa. Isso quer dizer que, clinicamente, não existe metonímia perfeita: uma vela não é, necessariamente, um navio. Uma vela, no universo subjetivo, pode ser a fantasmagórica dança do fogo envolta em cera. Ou, quem sabe, o presente indicativo do ato observativo/afetivo que alguém faz em processo de luto. Se não houvesse essa desconexão, essa discórdia (Discord), os adolescentes – esses adaptados a essa realidade virtual metonímica como descrevemos – estariam completamente apaziguados em uma vida completa e satisfeita. Não é de se admirar que, nessas mesmas redes sociais, o que se apresenta são flashes de um congelamento de momentos exuberantes que exibem uma vida, supostamente, completa.

Freud nos alertava que existem três grandes tarefas impossíveis: psicanalisar, educar e governar. Em todas elas sempre haverá um resíduo, uma rachadura entre o ideal proposto inicialmente e o resultado obtido. Em todas essas disciplinas, há em jogo alguma questão sobre como viver, como se portar e o que se fazer: todas são impossíveis por sabermos que não há regra sobre a incompletude, sobre a falta, sobre a vida.

Em tempos de vida virtual, o Freud Cidadão se propõe a aprender sobre a fragilidade e a potência das imagens no universo adolescente, mas também a auxiliá-los a tratar os efeitos maléficos dos excessos que essa relação mediada com o mundo pode causar. Nossas oficinas semanais trabalham com atividades artísticas envolvidas com esse universo conectivo, através de redes sociais, de produções musicais e visuais, com diálogo feito em grupo com psicanalistas e artistas. A arte, como bem sabemos, tem uma proximidade com a juventude por ser aquela que opera com o que se tem de mais moderno em nossa produção simbólica coletiva. 

Assim, psicanalistas e artistas se unem, no Freud Adolescente, para receber os sinais que nossos radares contemporâneos nos dão, aprendendo sobre as forças motrizes simbólicas em jogo no mundo atual, mantendo o compromisso ético de tratar os efeitos do impossível que existe na epopéia singular que cada sujeito tem ao se propor cidadão do mundo, isto é, adolescente.

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